quarta-feira, 30 de novembro de 2011

TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI
TEXTO DO PROF. JOSÉ R.B. FREIRE


Eis um artigo sobre a divisão do Estado do Pará, com uma análise feita pelo professor José R.B. Freire é uma obra-prima jornalística, que nos remete aos tempos de Padre Antônio Vieira e seus famosos sermões. Vale a pena ler todo o artigo com atenção. Excelente!

PBn P.S. - O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social (UNI RIO).
_____________________________________________________
TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI



TAPAJÓS E CARAJÁS:FURTO, FURTEI, FURTAREI
TEXTO DO PROF. JOSÉ R.B. FREIRE
Eis um artigo sobre a divisão do Estado do Pará, com uma análise feita pelo professor José R.B. Freire é uma obra-prima jornalística, que nos remete aos tempos de Padre Antônio Vieira e seus famosos sermões. Vale a pena ler todo o artigo com atenção. Excelente!

PBn P.S. - O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social (UNI RIO).
_____________________________________________________
TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI

José Ribamar Bessa Freire
09/10/2011 - Diário do Amazonas

Essa foi a vaia mais estrondosa e demorada de toda a história da
Amazônia.
Começou no dia 4 de abril de 1654, em São Luís do Maranhão, com a
conjugação do verbo furtar, e continuou ressoando em Belém, num
auditório da Universidade Federal do Pará, na última quinta-feira, 6 de
outubro, quando estudantes hostilizaram dois deputados federais que
defendiam a criação dos Estados de Tapajós e Carajás.


A vaia, que atravessou os séculos, só será interrompida no dia 11 de
dezembro próximo, quando quase 5 milhões de eleitores paraenses irão às
urnas para votar, num plebiscito, se querem ou não a criação dos dois
Estados desmembrados do Pará, que ficará reduzido a apenas 17% de seu
atual território caso a resposta dos eleitores seja afirmativa.


A proposta de divisão territorial não é nova. Embora o fato não seja
ensinado nas escolas, o certo é que Portugal manteve dois estados na
América: o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão e Grão-Pará, cada um
com governador próprio, leis próprias e seu corpo de funcionários.
Somente um ano depois da Independência do Brasil, em agosto de 1823, é
que o Grão-Pará aderiu ao estado independente, com ele se unificando.


Pois bem, no século XVII, a proposta era criar mais estados. Os colonos
começaram a pressionar o rei de Portugal, D. João IV, para que as
capitanias da região norte fossem transformadas em entidades autônomas. O padre Antônio Vieira, conselheiro do rei de Portugal, D. João IV,
convenceu o monarca a fazer exatamente o contrário, criando um governo
único do Estado do Maranhão e Grão-Pará sediado inicialmente em São
Luís e depois em Belém.


Para isso, o missionário jesuíta usou um argumento singular. Ele alegava
que se o rei criasse outros estados na Amazônia, teria que nomear mais
governadores, o que dificultaria o controle sobre eles. "É mais fácil
vigiar um ladrão do que dois", escreveu Vieira em carta ao rei, de 4 de
abril de 1654: “Digo, Senhor, que menos mal será um ladrão que dois, e
que mais dificultoso será de achar dois homens de bem que um só”.


Num sermão que pregou na sexta-feira santa, já em Lisboa, perante um
auditório onde estavam membros da corte, juízes, ministros e conselheiros
da Coroa, o padre Vieira, recém-chegado do Maranhão, acusou os
governadores, nomeados por três anos, de enriquecerem durante o triênio,
juntamente com seus amigos e apaniguados, dizendo que eles conjugavam o verbo furtar em todos os tempos, modos e pessoas. Vale a pena transcrever um trecho do seu sermão:


- “Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do
governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os furtos.
Esses mesmos modos conjugam po r todas as pessoas: porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantos para isso têm indústria e consciência”.


Segundo Vieira, "os governadores furtam juntamente por todos os tempos". Roubam no tempo presente , "que é o seu tempo" durante o triênio em que governam, e roubam ainda "no pretérito e no futuro". Roubam no passado perdoando dívidas antigas com o Estado em troca de propinas, "vendendo perdões" e roubam no futuro quando "empenham as rendas e antecipam os contrato, com que tudo, o caído e não caído, lhe vem a cair nas mãos".


O missionário jesuíta, conselheiro e confessor do rei, prosseguiu:
"Finalmente, nos mesmos tempos não lhe escapam os imperfeitos, perfeitos, mais-que-perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais se mais houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles como se tiveram feito grandes serviços tornam carregados de despojos e ricos; e elas ficam
roubadas e consumidas".


Numa atitude audaciosa, Padre Vieira chama o próprio rei às suas
responsabilidades, concluindo:
"Em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos
príncipes de Jerusalém: os teus príncipes são companheiros dos
ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam;
são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente, seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo".


Os dois novos Estados – Carajás e Tapajós – se criados, significam
mais governadores, mais deputados, mais juizes, mais tribunais de contas,
mais mordomias, mais assaltos aos cofres públicos.


Por isso, o Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns, sediado em
Santarém, representando 13 povos de 52 aldeias, se pronunciou criticamente
em relação à proposta. Em nota oficial, esclarece:


"Os indígenas, os quilombolas e os trabalhadores da região nunca
estiveram na frente do movimento pela criação do Estado do Tapajós,
porque essa não era sua reivindicação e também porque não eram
convidados. Esse movimento foi iniciado e liderado nos últimos anos por
políticos. E nós temos aprendido que o que é bom para essa gente
dificilmente é bom para nós.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

UMA CARTINHA AO PAPAI NOEL- FLAVIO MARCUS DA SILVA(FOTO)





22 - Uma cartinha ao Papai Noel

Querido Papai Noel,
Neste ano eu me comportei direitinho. Obedeci à mamãe e ao papai, não briguei com a minha irmã e usei o dinheiro da minha mesada com muita responsabilidade. O papai me dá 700 reais todos os meses para eu gastar com o que eu quiser, mas eu economizo 200 reais por mês. É que eu quero juntar 3.000 reais para eu levar para a Disney ano que vem e comprar um monte de coisas legais para mim.
Na escola eu também fiz tudo direitinho. Meus colegas fizeram muitas coisas erradas, mas eu não: todos os dias eles insultavam um outro menino, que veio estudar na nossa sala com uma bolsa de estudos, porque ele é pobre e negro, coitado... Eles batiam nele e o chamavam de um monte de coisas feias, como urubu, filhote de cruz credo e favelado; e ainda chamavam a mãe dele de prostituta e o pai de drogado e traficante. Só que eu não. Eu ficava caladinho. Eu não conversava com o menino porque ninguém nem chegava perto dele, só a professora, então eu não podia conversar também. Mas eu nunca bati nele nem o chamei de nomes feios.
De vez em quando umas pessoas muito pobres tocam o interfone daqui de casa pedindo um prato de comida ou um pedaço de pão. Quando sobram restos de comida nos pratos, eu junto tudo, embrulho num jornal e levo para eles. Quando não sobra comida, eu pego uns dois ou três pães, que ficam guardados no armário a semana inteira para endurecer e a empregada poder ralar para fazer farinha de pão, e jogo para eles por cima da grade. Um dia um menino que estava com eles me pediu água. Mesmo correndo o risco de sujar o piso
de granito da mamãe, eu abri o portão e deixei o coitado usar a torneira do jardim. O meu pai até chegou na hora e empurrou o menino para fora,chamando-o de pivete imundo. Eu fiquei muito triste com o papai.
Ontem esteve aqui em casa a minha tia Jaciara. Ela me contou que só existe um Papai Noel de verdade: o senhor. Ela disse que aquele Papai Noel que fica na casinha da ASCIPAM é de mentira; que o Papai Noel de verdade é um espírito superior, que só visita as residências de pessoas superiores, como nós, que merecem ser presenteadas. Foi aí que eu entendi porque os alunos bolsistas lá da escola, que são inferiores, só ganham de Natal brinquedos
ruins, enquanto nós, superiores, ganhamos brinquedos bons e caros. É que quem dá os presentes para as crianças pobres são os próprios pais delas (ou alguma instituição de caridade ou empresa), que não têm muito dinheiro, enquanto, no nosso caso, é o senhor mesmo, que vem com as suas renas mágicas visitar as nossas casas.
Aproveito esta carta também para agradecer ao senhor o helicóptero de controle remoto, o computador, o tênis Puma e o celular que o senhor me deu no ano passado. Muito obrigado, Papai Noel. Gostei demais! O helicóptero ainda está funcionando, mas eu não brinco mais com ele porque fiquei enjoado, então eu o empresto ao filho da empregada todo sábado de manhã. O senhor precisa ver a alegria do menino! (Mas acho que o senhor vê, não é?). O computador já não me serve mais, porque de uma hora para outra ele ficou muito devagar e o papai teve que comprar outro. O tênis eu tive que parar de usar porque o Eloi, meu colega, chegou com um muito mais caro do que o meu; então eu tive que pedir ao papai para comprar um de uma marca ainda mais cara, para eu não ficar para trás. E o celular, o senhor sabe... Não dá para ficar com o mesmo por muito tempo, no máximo dois ou três meses, porque sempre aparece um mais avançado, com design mais moderno e mais caro lá na escola, e a gente tem que trocar o nosso, para ninguém ficar zoando a gente.
Neste Natal, eu peço ao senhor um laptop (o melhor que tiver no mundo), porque oito colegas meus já têm os seus e eu preciso ter o meu também; uma viagem ao Japão, porque até hoje ninguém na minha sala foi ao Japão; e um celular novo (também o melhor do mundo), porque eu não posso ficar para trás.
Ah! Já ia me esquecendo! Se for possível, eu gostaria de confirmar uma coisa com o senhor. É que ontem, junto com a tia Jaciara, veio nos visitar o tio Tomás, que é deputado lá no Congresso. Ele ficou o tempo todo rindo (com a mão naquela pança enorme que ele tem), bebendo um vinho importado da mamãe (reservado para ocasiões especiais), e disse que este ano o Papai Noel DELE vai chegar bem mais gordo (e de jatinho), por causa de um aumento de mais de 60% no salário que eles mesmos se deram lá no Congresso. A tia Jaciara tinha acabado de me contar a verdadeira história do Papai Noel (ou seja, do senhor), e na hora só pude crer que o tio Tomás tinha se equivocado. Como é possível que ele possa ter um Papai Noel só dele (mais gordo do que o dos outros e que chega de jatinho e não de renas mágicas) se só existe um Papai Noel: o senhor?
Um forte abraço, blá blá blá...

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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

LABAREDAS NA ESCURIDÃO- FLAVIO MARCUS DA SILVA (FOTO)


18 - Labaredas na Escuridão


A casa ficava numa rua estreita e escura do centro histórico da cidade. Ali, num passado recente, àquela hora da noite, bêbados e mendigos dividiam as calçadas com prostitutas
desesperadas, que ofereciam seus corpos a qualquer um que passasse, muitas vezes em troca de um pão bolorento ou de um prato de sopa. Naquela noite, porém, ao caminhar pelo passeio à procura do endereço que eu trazia rabiscado num pedaço de papel, só vi sacos de lixo rasgados por cães famintos, garrafas quebradas e um gambá morto em avançado estado de putrefação. O resto era silêncio e sombras. Na mochila eu levava um caderno de anotações, uma garrafa de água e três folhas soltas de um livro há muito desaparecido.
A casa tinha dois andares e parecia abandonada: vidraças quebradas, pichações, pintura descascada e mofo nas paredes davam a impressão de que ali eu só encontraria ratos, baratas e morcegos [e talvez alguns fantasmas]. Mas o professor Fábio tinha me garantido que o ex-vereador Alípio e seu filho ainda viviam na casa, e que o livro que eu procurava, se existisse, provavelmente estaria na biblioteca.
Na entrada, acima da enorme porta de madeira maciça, esculpido em pedra sabão e já quase completamente tomado pelo mofo, o ano 1813. Bati três vezes. Pela fresta vi que uma luz mortiça, quase imperceptível, iluminou o interior. Logo em seguida, um grito raivoso ecoou como um trovão pela casa até os meus ouvidos: “Quem está aí?”. A voz não parecia ser a de alguém com quase noventa anos, por isso deduzi que fosse do filho. Respondi: “Sou amigo do professor Fábio, que trabalhou com o senhor na faculdade”. Silêncio. O homem devia estar decidindo o que fazer [ou simplesmente amaldiçoando a vida por ter lhe trazido uma visita indesejada àquela hora, obrigando-o a interromper sua insônia em meio aos livros, enquanto o pai talvez dormisse o sono artificial dos doentes terminais, dopado com morfina e tranquilizantes].
A porta se abriu pela metade e o homem que me encarou com um olhar suspeito, pouco convidativo, não devia ter mais que 50 anos. Era alto, magro, grisalho, com o cabelo cortado bem curto. Vestia uma camisa branca de algodão e uma calça social bastante surrada. “O que você quer?”, ele perguntou. Sem dizer uma palavra, abri minha mochila e tirei uma folha do livro que eu procurava. Ele a pegou, olhou-a atentamente e sorriu. “Você só tem isto?”. Tirei as outras duas folhas da mochila e respondi: “Só isto”. Ele não quis pegá-las. Abriu a porta e me convidou para entrar.
O interior da casa não tinha nada a ver com o exterior. O que do lado de fora parecia desleixo e abandono, no interior se transformava em aconchego, limpeza e simplicidade.
Ele me indicou um sofá na sala e foi à cozinha preparar um café.
O que eu sabia sobre o ex-vereador Alípio era só o que minha mãe tinha me contado uma vez, aos sussurros, na mesa de jantar, enquanto baixávamos uma garrafa de vinho tinto e meu pai roncava alto no quarto, com a televisão ligada.
Ela me disse que no início da década de 1960 ele era um vereador combativo, articulado em seus discursos, e que foi muito perseguido por apoiar o presidente João Goulart na cidade, onde a maioria das pessoas era radicalmente contra a reforma agrária, por razões óbvias.
Defendida pelo presidente Goulart em seus discursos inflamados na capital do país, a reforma da estrutura fundiária nacional era também um tema recorrente nos pronunciamentos do vereador Alípio durante as sessões da câmara municipal. Por isso [e também por ser contrário à perpetuação de duas importantes famílias no poder local, com toda a sua corja de parasitas sugando o dinheiro público sem trabalhar] ele foi
violentamente perseguido: recebia ameaças de morte todos os dias; pedras eram arremessadas nas vidraças da sua casa, onde também muros e paredes eram pichados com palavrões e boatos envolvendo sua esposa e seu filho [diziam que ele espancava o menino e a mulher sem piedade e que praticava rituais de magia negra]; todos os sábados, o vigário local organizava passeatas anticomunistas pelas ruas da cidade, durante as quais a população gritava sem parar, com os punhos erguidos: “Fora Alípio comunista!”, “Fora Alípio comunista!”...
Os meios de comunicação locais, que pertenciam às duas famílias mais ricas da cidade [que se revezavam no poder], não deixavam passar um mínimo deslize do vereador, que era apresentado ao público como um político despreparado, incompetente e louco.
O golpe militar de 1964 encerrou sua carreira definitivamente. Alípio se recolheu, com a esposa e o filho, à velha casa da família [construída no início do século XIX], passando a viver unicamente da sua aposentadoria e do que a mulher ganhava como costureira.
Nem para ir ao enterro da esposa, alguns anos depois, ele saiu de casa. Vivia recluso, juntamente com o filho, em meio a livros e jornais que ele recebia do mundo inteiro.
“Meu pai era muito amigo do autor deste livro”, disse o filho do ex-vereador ao me entregar uma xícara de café bem forte e se sentar no sofá à minha frente. “Na verdade,quem o escreveu não foi o advogado criminalista que tem seu nome publicado na capa como sendo o autor do texto [e de quem meu pai era amigo]. Foi um jovem estudante de jornalismo, muito talentoso, que foi contratado pelo advogado para escrever o livro”.
Até ali, nada de novo para mim. Eu sabia também que o contrato firmado entre os dois obrigava o jovem escritor fantasma a distribuir um exemplar do livro a todas as pessoas que fossem ao velório do advogado e a queimar os exemplares restantes. Ao que tudo indica, foi exatamente isso que ele fez.
O livro causou uma onda de choque muito grande. No próprio velório, vários exemplares foram rasgados na frente da viúva e de suas três filhas, inclusive o que tinha sido entregue ao meu pai, que chegou a gritar um palavrão antes de abandonar o salão, com lágrimas nos olhos. Quem me contou isso foi minha mãe. Ela estava lá e viu como as pessoas reagiam à leitura do texto: algumas choravam pelos cantos; outras gritavam insultos, com os olhos em chamas, apontando para o caixão; o próprio padre, ao ler algumas passagens do livro, deixou-o cair aos pés do enorme crucifixo que dominava uma parte da cena e saiu do velório em silêncio, sem nem encomendar o corpo. Minha mãe só observava, e ao ser arrastada pelo meu pai em direção ao estacionamento, trazia dentro da bolsa o seu exemplar, com a intenção de lê-lo mais tarde.
“Você sabe me dizer por que ninguém hoje reconhece ter um exemplar ou uma cópia do livro, ou ousa falar sobre o que ele continha?”, perguntei ao homem à minha frente. Ele sorriu. “Pelo visto você já conhece muita coisa sobre a história desse livro e está curioso quanto ao seu conteúdo, não é?”. Diante dessa pergunta eu apenas fiz um sinal afirmativo com a cabeça. Ele me entregou a folha que eu tinha lhe mostrado na entrada e perguntou:
“A pessoa de que trata esse fragmento é o seu pai?”. Mais uma vez fiz que sim com a cabeça.
Minha mãe leu o livro no mesmo dia do enterro, trancada no banheiro. Chorou muito, e, depois, tomada de uma emoção confusa, que ia do ódio à compaixão, arrancou as três únicas folhas que se referiam ao meu pai e à família dele, dobrou-as cuidadosamente e guardou-as na biblioteca, dentro de um livro que ficava numa prateleira bem alta, de difícil acesso: O emblema vermelho da coragem, de Stephen Crane. Em seguida ela foi ao quintal e queimou o livro do advogado na churrasqueira. Meu pai a olhava do andar de cima, com o rosto pálido e cansado, como se dez anos tivessem se passado naquele único dia. Seus olhares se cruzaram e ele se afastou em silêncio [um silêncio que dura até hoje].
Tudo isso ela me contou depois, numa outra rodada de vinho pela madrugada, após eu ter lhe mostrado as três folhas que eu tinha encontrado dentro da obra de Crane.
“Meu pai também esteve no velório..., como você já deve saber...”, disse o filho do ex-vereador, saboreando seu café.
Eu sabia.
Naquele dia, o ex-vereador Alípio abandonou sua clausura e foi se despedir do velho amigo. Ao chegar, recebeu das mãos do jovem escritor um exemplar do misterioso livro de memórias, que ele folheou com prazer. Algumas pessoas já tinham lido um ou outro trecho e se retirado; outros continuavam ali, parados, tomados pelo espanto, segurando seus exemplares abertos em alguma página específica. Ninguém nem percebeu que a chegada do ex-vereador era por si só um fato inusitado, surreal, depois de tantos anos que ele tinha permanecido fechado em sua casa, quase sem nenhum contato com o mundo exterior, a não ser através de livros e jornais.
Mas a indiferença durou só até ele começar a gargalhar, com seu livro aberto junto ao peito, atraindo para si todos os olhares [assustados, ferozes, indignados]. Seu riso estrondoso era uma afronta não só à viúva e suas filhas, mas aos presentes em geral, feridos e humilhados pelas palavras impressas naquele livrinho que, até hoje, muitos anos depois, nesta sala sombria onde escrevo este relato, me dá calafrios na espinha.
Estou olhando para ele agora...
Na capa marrom desbotada, o título em letras douradas se destaca, expressando, a meu ver, uma dor infinita: Labaredas na Escuridão.


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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

BACALHAU COM TOMATES E PIMENTOS-CHEF ERNANE (FOTO)


Bacalhau com Tomates e Pimentos

 2 postas de bacalhau previamente demolhadas
 4 tomates maduros
 pimentos verdes
 2 colheres (sopa) de azeite
 l cebola grande descascada
 2 dentes de alho descascados
 1,5 dl de leite de coco
 farinha q.b.
 sal e pimenta preta moída na altura

Uma vez demolhado o bacalhau, seque-o muito bem. Limpe de pele e de espinhas e corte-o em lascas. pique a cebola e faça o mesmo ao dentes de alho. Mergulhe o tomate por breves segundos, em água fervente e depois, por agua fria. Tire-he a pele. Limpe-o de sementes e pique-o miudamente.

Limpe o pimento de sementes e corte-os em tirinhas. Polvilhe as lascas de bacalhau com farinha e misture de modo a que elas fiquem bem enfarinhadas. O melhor é colocar uma colher (sopa) de farinha num saco de plástico transparente e juntar as lascas de bacalhau. Feche o saco e sacuda-o energicamente, Retire o excesso de farinha.

Num tacho aqueça o azeite. Junte a cebola e o alho picados e deixe-os dourar. Acrescente as lascas de bacalhau e deixe-as fritar, mexendo com uma colher de pau. Adicione o tomate. Mexa e tempere de sal e de pimenta a seu gosto. Tenha em atenção o teor de sal do bacalhau, mesmo depois de demolhado

Adicione as tirinhas de pimento verde. Deixe cozinhar por mais dois minutos. Regue com o leite de coco. Deixe levantar fervura. Tape o tacho e deixe estufar até que tudo esteja macio. Destape o tacho e deixe ferver por mais uns breves minutos. Rectifique temperos e decore a gosto.

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O CÍNICO- FLÁVIO MARCUS DA SILVA (FOTO)


17 - O cínico


O cínico parece já não ter mais para onde subir na vida. É dono de um patrimônio imenso, que vai de fazendas e mansões a helicópteros, e goza de uma renda mensal que inveja até deputados e senadores, mesmo depois do aumento de 60% em seus salários. Grande parte dessa riqueza ele conseguiu através do seu cinismo: uma falta de vergonha, uma desfaçatez, uma impudência cevadas desde o berço, onde, bem pequeno, ele já sabia fingir o choro para conseguir o colo da mãe, esconder o pirulito embaixo do colchão para ganhar outro melhor, acusar o amiguinho de uma travessura que ele próprio cometera – coisas de criança, talvez; mas no cínico elas foram se multiplicando e tomando conta do seu espírito de tal forma que, na juventude, aliadas a uma ambição desmedida e a uma necessidade imensa de se destacar, deram origem a uma verdadeira máquina de vitórias – um estrategista de peito erguido, com um único propósito na vida: vencer: o que, para ele, significava ter muito dinheiro, um casamento de acordo com os padrões exigidos pela sociedade conservadora [de preferência financeiramente compensador],um cargo que lhe permitisse exercer poder sobre os outros, filhos brilhantes [os melhores naquilo que fizessem]... Mas para ele não importa se os meninos são apenas razoavelmente bem sucedidos em suas profissões. Ao falar deles, o cínico pinta um quadro fantasioso sobre seus dotes e vitórias, baseado apenas em alguns fragmentos de suas vidas que interessam a ele, cínico, transformando-os em verdadeiros super-heróis. Quem sofre mesmo são as pessoas obrigadas a ouvi-lo falar dos garotos: os relatos duram horas, são cheios de detalhes sobre as façanhas profissionais [e até mesmo sexuais] dos rebentos, muitas vezes comparando-os com outras pessoas, de forma a diminuí-las, ou citando garotas que lhes permitiram provar sua masculinidade viril, colocando-as, também [é claro] em uma posição de inferioridade. E com que facilidade o cínico te critica pelas costas e, logo em seguida, diz exatamente o contrário na sua frente, te olhando nos olhos, com entonação enfática, como se aquilo realmente é o que ele pensa de você... É o jogo do cínico. Ele é um bom estrategista, sabe transformar as pessoas em joguetes, colocar umas contra as outras, envenenar relações, tudo para se manter no poder, para atrair olhares de inveja e admiração. E como poucos no universo da degenerescência moral, ele sabe se cercar de bons bajuladores, a maioria tão cínica quanto ele, pois nas suas costas, muitos desses baba-sacos criticam-no, ironizam-no, riem dos seus defeitos, do seu orgulho desmedido, da sua conversa enfadonha, cansativa; mas, na sua frente, tratam-no com respeito, concordando com suas opiniões e participando das suas intrigas...
Para o cínico, muitas vezes, os fins justificam os meios. Quase sempre ele lança mão de suas relações pessoais com gente importante [construídas também na base do cinismo e do fingimento] para conquistar ainda mais prestígio e poder, ou abrir caminho para os filhos e amigos em meio à multidão dos comuns até degraus mais altos da escala social [o que, sozinhos, eles não conseguiriam, por incompetência].
Normalmente, o cinismo vem acompanhado de maldade. No cínico, qualquer desavença pessoal aciona seu desejo de vingança implacável, e ele não sossega a alma atormentada pelo ódio enquanto não prejudicar seu desafeto. Se não for bem sucedido, para aplacar sua ira, ele investiga a vida da pessoa, só para se certificar de que a situação financeira ou patrimonial dela é inferior à sua ou à de seus filhos, já que, para ele, o que determina o valor de um homem são os bens materiais que ele possui. Saber que o outro tem um salário inferior ou um patrimônio bem menor que o seu alivia a sua alma vil.
E ele geralmente vence... para os outros, para si, para a família. Ele é muito competente, perspicaz, inteligente, suas jogadas são rápidas, bem pensadas, e ele é bem recompensado por isso.
Mas como afirmou certa vez o grande escritor Oscar Wilde: o cínico pode conhecer muito bem o preço de todas as coisas...
...mas ele não conhece o seu valor.
Essa é a diferença.
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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

VIAGEM NO TEMPO – LEMBRANÇAS DO VÔ LOURENÇO-FERNANDO MARTINS FERREIRA

VIAGEM NO TEMPO – LEMBRANÇAS DO VÔ LOURENÇO


Há homens que passam pelo mundo e não deixam absolutamente nada, há outros que deixam grandes obras e tornam-se objetos de estudos, lembrados pelo povo por suas conquistas. Há, porém, outros que não realizam nada que possa ser avaliado como extraordinário segundo os critérios humanos, mas deixam a marca da grandeza de sua bondade e de seu coração para sempre guardados em seu círculo familiar e de amigos. Assim foi o meu avô materno José Lourenço dos Santos, o Vô Lourenço.
Fisicamente era um homem alto, moreno, corpanzil enorme, semblante sereno, de fala mansa. Ouso dizer que sua calma, serenidade e bondade eram proporcionais ao seu tamanho.
Possuía mãos enormes que pareciam falar, e era um líder nato da comunidade de Meireles, em Pará de Minas. Tinha sempre o melhor conselho e a melhor solução para o problema de todos.
O casarão da fazenda possuía cinco quartos, sala de visita, salão de jantar, a cozinha onde sobressaia o fogão a lenha sempre aceso e a despensa onde também se fazia deliciosos queijos. Logo ali, no terreiro da cozinha, corria uma bica d’água cristalina, acima do abacateiro frondoso.
A casa foi instalada em local alto de onde através dos doze janelões se tinha uma bela visão panorâmica. Era o porto seguro para os viajantes e amigos que ali tinham guarida para si e seus animais.
Como o acesso à cidade era muito difícil, quando alguém adoecia na região, buscava-se o “Seu Zé Lourenço”, que cuidava do doente ministrando-lhe ervas, plantas, dispensando-lhe os cuidados necessários e se necessitasse de remoção para a cidade, era ele quem providenciava.
Braços, dedos e pernas quebrados ele mesmo tratava, procedendo ao entalamento dos membros com pedaços de madeira ou bambu.
No lombo de seu burro soberbo, um enorme exemplar da raça, e seu companheiro inseparável de andanças, ia sem demora onde fosse requisitado, sem cobrar sequer um tostão, só pelo prazer de ajudar.
Conciliador por natureza era conclamado para apaziguar brigas familiares e divergências entre vizinhos.
Era dono de uma risada única, alta, cristalina e contagiante, própria das pessoas que são de bem com a vida. Carregava consigo sempre duas coisas: seu inseparável chapéu e aquela tossezinha crônica fruto do inseparável cigarro de palha de milho.
Nas festas da comunidade, estava sempre à frente arrecadando animais, objetos e alimentos a serem leiloados na quermesse. Organizava também mutirões de ajuda aos vizinhos para capina, roçada, colheita e construção de casa para quem necessitava.
Era incansável o “Seu Zé Lourenço”, porém acho que uma de suas maiores virtudes era saber escutar.
Escutar de verdade é tarefa para gente paciente, para pessoa madura que não está afim de “vencer” discussões, nem sobrepor sua vontade, mas de encontrar a verdade.
A nós crianças, seus netos, ele dispensava a mesma atenção que dava a um adulto. Como nos sentíamos importantes!
Eu e meu irmão Ernando sempre íamos à fazenda estar com ele nas férias escolares.
Pela manhã, bem cedinho acordava-nos para o café que era feito no fogão à lenha. Café forte colhido, torrado e moído ali mesmo na fazenda.
Para o desjejum servia-nos queijo fresco, farofa de queijo ou então um delicioso feijão “balanceado” que era feito na banha de porco, lingüiça defumada, carne de porco cozida, conservada em lata com gordura, cebola, ovos e farinha de mandioca.
Até hoje sinto o gosto, o aroma do café coado em coador de pano e com isso me vem à memória o canto do carro de bois, o tropel de um cavalo, e o abrir e o bater de uma porteira.
Depois do desjejum, íamos para o curral ordenhar as vacas. Ali tomávamos mais uma “canecada” de leite quente, espumoso, tirado na hora.
O irmão Ernando tinha uma habilidade danada e o vô sempre deixava duas ou três vacas para ele ordenhar. Aliás, mesmo sendo mais novo do que eu um ano, era muito esperto e tinha também uma facilidade enorme para cavalgar. Ele e o cavalo pareciam um corpo só, não havia sobressaltos, nem sacolejos e muito menos solavancos quando montava.
Eu, já naquela época gostava das vacas leiteiras, ficava na beira do curral, admirando-lhes o porte, a capacidade produtiva, suas crias, etc.
O gosto permanece até os dias atuais, me encanto ainda vendo uma vaca leiteira de alta produção.
Vejo-a como um animal perfeito, uma máquina produtora de leite.
Após a ordenha íamos ajudá-lo na lida da fazenda. Uma enxadinha era dada a cada um dos irmãos e íamos capinar o pomar ou o arrozal.
Após o almoço era hora de apartar o gado.
A recompensa vinha um pouco mais tarde quando nos levava para nadar no riacho de águas límpidas que cortava suas terras ou para uma pescaria de lambaris.
Ficávamos ansiosos aguardando por esses momentos, mas ele ensinava que o trabalho vinha antes da diversão.
A programação também incluía visitas às fazendas de seu irmão Cândido, também grande conhecedor de plantas e ervas. Do Quinzinho Cornélio, ou a de seu grande amigo João de Melo Franco, o João do Júlio.
Esse, apesar de possuir grandes extensões de terras e muito gado, era admirador profundo de São Francisco de Assis e assim como o santo, vivia modestamente.
Sua alimentação era a mais natural possível, basicamente coalhada e pão doce, daí o chamarem também de João Coalhada.
Ajudou muita gente, principalmente os pobres da região. Para a sua fazenda íamos sempre para um dedo de prosa ou para ajudá-lo nas tarefas pequenas como debulhar milho.
Ouvíamos histórias do santo de sua predileção enquanto saboreávamos a famosa coalhada.
À noite, na fazenda do vô, após as atividades tomávamos um banho de chuveiro com água quente, graças a um engenhoso sistema hidráulico e serpentina.
Como não havia energia elétrica, lamparinas e lampiões espalhados iluminavam a casa.
Acocorados sobre o fogão a lenha, ouvíamos histórias contadas por ele até o sono chegar.
Dormíamos em colchões de palha de milho, aquele barulhinho gostoso, o coaxar dos sapos, o uivar de um lobo na serra, o pio de uma coruja no mourão da porteira, o mugido do gado no pasto, o canto suave da água correndo na bica.
Nem que vivesse cem anos poderia esquecer.
A morte para ele veio cedo, quando contava com 62 anos deixando viúva Maria Felizarda dos Santos, a Vó Dica e seis filhos:
- José Lino (Professor José Lino – Floricultura Pomar);
- Maria Rita (minha mãe);
- Orlando Maurício (“in memoriam”. Que saudade!);
- Olavo dos Santos (“in memoriam”, Olavo da Mercearia Central, do Guarani Futebol Clube, pai do Orivaldo da Peixaria);
- Lourenço (Floricultura Amor Perfeito);
- Dalmo dos Santos (o Tio Dalmo de eterna alegria).
Morreu de morte que não manda aviso.
Eta parceria danada essa tal de morte. Com ela não há negociação, pois se houvesse o vô Lourenço, docemente a convenceria a deixá-lo aqui mais um pouco para vivenciar seus netos ou ajudar mais um pouco as pessoas.
Não lhe faço louvação gratuita, pois sempre se diz dos mortos que foram bons.
A admiração, o respeito, a serenidade e a bondade que despertava, fazia dele um homem especial.

Sua benção vô Lourenço!

DO LIVRO: CONTANDO HISTÓRIAS...(EDIÇAO ESGOTADA)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

DIETA PRA VALER- FLAVIO MARCUS DA SILVA (FOTO)-






16 - Dieta pra valer


/Tenho um problema sério com dietas para emagrecer. De segunda a quarta é até fácil. Mas na quinta-feira as coisas começam a desandar, e na sexta a vaca vai pro brejo de vez, com perspectivas quase sempre catastróficas para o sábado e o domingo.
Na sexta-feira, quando o bombardeio calórico do dia começa a pesar no estômago e na consciência, a segunda-feira ressurge na minha imaginação como um novo começo, uma nova estaca zero, e, aliviado, penso: “Como na segunda-feira eu vou começar a dieta PRA VALER, hoje, amanhã e depois eu posso abusar”. E abuso mesmo.
O problema é que na semana seguinte tudo se repete: as coisas desandam na quinta, a vaca atola na sexta, e nos dois dias seguintes, nada de dieta. E nada de emagrecer... Só engordar.
Na segunda-feira eu acordo disposto a enfrentar qualquer obstáculo para perder pelo menos meio quilo na semana. O café da manhã é uma fatia de pão integral com queijo branco, uma xícara de café com adoçante e uma fruta. No intervalo, outra fruta; no almoço, arroz integral, feijão, muita verdura crua e nada de carne. À tarde, uma barra de cereal; e, antes de voltar ao trabalho à noite, um sanduíche de frango [com pão integral], cheio de folhas verdes de diferentes tonalidades, e um copo de suco natural de limão ou abacaxi. No intervalo da noite, um pãozinho e uma xícara de café.
A dificuldade maior é quando eu abro a geladeira por volta de onze da noite, com uma fome de leão que não vê um pedaço de carne há meses. Porém, até quarta-feira, tudo bem: um iogurte natural desnatado com aveia e uma maçã antes de dormir. E se a fome continua a me assolar com o seu ronronar insistente no estômago, eu ainda belisco uma bolacha água e sal antes de me deitar, muitas vezes sem conseguir apaziguar o cérebro, que, insatisfeito, exige mais comida.
Quinta-feira, onze da noite: abro a geladeira e me deparo com três ou quatro fatias de pizza portuguesa [com borda recheada de catupiry] e meia garrafa de Coca-Cola bem gelada [da normal, com açúcar]. Sobre a mesa, um pedaço de bolo de banana com canela. [Se não for pizza e bolo, são outras coisas: pão de queijo com linguiça, torta de frango, panqueca, biscoito, brigadeiro, strogonoff, etc.]. É que quinta-feira, meus pais, meu irmão e minha cunhada geralmente vêm para uma visita, e o lanche da noite, nesse dia, é especial. Quando eu chego, eles já saíram, mas o que sobra dos comes e bebes continua na cozinha.
Então eu abro a geladeira e me deparo com aquilo. O que eu faço? Fecho a porta, como se a pizza fosse um pé de alface e a Coca um iogurte Corpus de ameixa? Encaro a pizza e a Coca de frente, enfrentando-as, e digo pra mim mesmo: “Eu sou forte e vou resistir à tentação.”? Ignoro completamente as delícias e preparo uma sopinha de soja desidratada?
É claro que não!
Como é possível ignorar três ou quatro fatias de uma pizza portuguesa, com várias rodelas de linguiça calabresa, muito queijo, muito presunto, muita cebola, pimentão, azeitonas pretas e borda de catupiry? Como não beber aquela Coca-Cola geladinha, genuinamente doce e borbulhante?
Simplesmente não dá!
Ao me deparar com aquelas maravilhas, eu me recordo do gosto do pão integral, do arroz integral, do iogurte desnatado com aveia, das torradinhas, das barrinhas de cereais, do queijo branco, do café com adoçante, e penso: “Não... Hoje não”.
Esquento as fatias de pizza e lhes dou um banho bem generoso de azeite de oliva, antes de saboreá-las, com enorme prazer, junto com a Coca-Cola.
Depois eu sinto uma vontade louca de comer doce.
Resisto à tentação?
Nem pensar!
Meu raciocínio é o seguinte: depois de comer três fatias de pizza com muito azeite e beber meio litro de Coca, que diferença vai fazer se eu comer ou deixar de comer um pedaço de bolo de banana com canela?
E se eu vou comer um pedaço de bolo de banana, que diferença vai fazer se eu recheá-lo ou não com duas ou três colheres de doce de leite?
E olha... Depois disso tudo, não adianta nada eu me sacrificar no final de semana...
Acabou a dieta.
FIM.
Tenho que começar tudo de novo na segunda-feira.
Na segunda...
Aí eu começo MESMO a dieta...
Pra valer...
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