segunda-feira, 12 de setembro de 2011

ACREDITE SE QUISER... FERNANDO MARTINS FERREIRA


ACREDITE SE QUISER


O José Maria Lopes também conhecido por Zé Paçoquinha, apelido que carrega desde criança devido a sua propagada calma, é casado com a Dorinha, prima materna em segundo grau.
Não tendo filhos, vivem confortavelmente em um belíssimo sítio denominado Barreiro, próximo à estação do Carioca, em Pará de Minas.
Para mim é o sítio das águas, pois possui duas lindas lagoas bem defronte da varanda da casa. Sempre que posso vou lá ter com eles um dedinho de prosa. Conversa boa, regada a cafezinho fresco e deliciosas quitandas feitas pela Dorinha.
Numa dessas conversas o Zé me contou alguns casos que aconteceram com ele em sua mocidade.
O certo é que ninguém sabe como certas coisas acontecem não se explica o inexplicável conta-se.
E contou que ele e seu falecido pai, Francisco Lopes, o Chico Lopes do Carioca como era mais conhecido, foram convidados para a festa de inauguração da nova casa do Djalma Fonseca na Fazenda Bom Jardim que distava de suas terras, coisa de uma légua.
Foram, rezaram o terço, abençoaram a casa e festaram, porque na roça, festa que se presa tem que ter fartura de quentão, bolos, canjica, biscoitos, doces variados e a deliciosa “vaca atolada” que é a carne cozida com mandioca, tendo um bom caldo.
Lá pelas tantas, apanharam suas montarias e tomaram o rumo de casa, pois no dia seguinte a lida na fazenda começava bem cedo. Vinham cavalgando devagar, tranqüilos, comentando esse ou aquele detalhe da festa. Saborearam a linda noite de céu risonho. A lua cheia iluminava tudo e estrelas cadentes riscavam o céu aqui e acolá.
O único barulho que se ouvia era o tropel dos cavalos e o das águas do rio São João batendo nas pedras próximo à usina de energia elétrica do Carioca. Atravessaram os 60 metros da ponte de madeira que separa os municípios de Conceição do Pará e Pará de Minas, cavalgaram uns cem metros, quando de repente sem dar nenhum sinal, os cavalos estacaram. Não queriam seguir o caminho, nem sendo esporeados.
Uma criança pequena se pôs a chorar. No início era um choro baixo, depois, cada vez mais alto.
Apuraram o ouvido e perceberam que o choro vinha de uma vala à beira da estrada.
Preocupados “apearam” dos cavalos à procura da criança que a essa altura chorava desesperadamente.
Aproximaram-se da vala e o choro cessou. Vasculharam tudo, chamaram, gritaram e nada.
Os cavalos continuavam assustados, inquietos.
O pai disse se tratar de uma alma “penada”.
Puseram-se então a rezar com fervor e em voz alta pela alma sofrida e aos poucos eles e os cavalos foram se acalmando e puderam seguir viagem.
A noite era fria, mas conta o Zé que passou a tiritar de frio e por mais que aconchegasse a gola do casaco ao pescoço não conseguia evitar a tremura dos joelhos e o bater dos dentes, uns contra os outros.
De outra feita ele e o seu amigo José Henriques, “que está bem vivo e pode confirmar a história”, tinham ido à Santana da Prata levar uma partida de gado.
Entregaram a encomenda, receberam o dinheiro e para comemorar foram tomar uma cervejinha. Uma cerveja puxa a outra, um bom papo, tira gosto de primeira e as horas passando.
Quando deram pela coisa já era quase 23 horas.
Apanharam suas montarias e tomaram o rumo de casa.
O tempo havia mudado para chuva, já podiam sentir sua proximidade. A umidade era quente e pegajosa e raios já rasgavam o céu escuro lá pra cima, onde o rio São João começa a formar o Lago do Carioca.
É... a chuva não parecia tardar. Chegaram as esporas nos animais, pois não queriam se molhar.
Chegando próximo à barragem, já se ouvia da estrada o barulho das grandes quedas d’água, e foi aí que tudo aconteceu, os cavalos que vinham a trote rápido, lado a lado, estacaram. O Zé e o amigo quase foram ao chão.
Chegaram novamente as esporas e nada, eles simplesmente não saiam do lugar, e nervosos batiam fortemente as patas no chão e resfolegavam alto.
E ali, bem na frente deles, três soldados altos, fortes com armas e mochilas nas costas, usando uniformes que pareciam muito antigos, atravessaram a estrada sem sequer olhar para eles e se embrenharam no mato do outro lado da estrada em direção à lagoa.
Um tremor de pernas se apossou deles, um engasgo os impedia de articular sequer uma palavra, os olhos arregalados acompanhando os três homens.
Passou-se um tempo que mais pareceu uma eternidade, os cavalos e eles foram se acalmando e o céu desabou. Choveu sem parar o restante da noite, chegaram a casa molhados até os ossos. Nenhum dos dois soube explicar o que aconteceu, mas os três soldados foram vistos outras vezes, sempre no mesmo lugar, até que uma alma caridosa mandou celebrar três missas, uma para cada um, e a partir daí nunca mais foram vistos.
O grande dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues aficionado que era com futebol, arranjou um nome para aquelas bolas que pipocavam entre uma trava e outra e não entrava ou para aquele jogo em que tudo acontece menos o gol.
Dizia que o Sobrenatural de Almeida se fazia presente.
Se ele não explicava também eu não, prefiro simplesmente contar o que ouvi.



PS: Livro editado em 2009- esgotado.

Um comentário: