quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O CÍNICO- FLÁVIO MARCUS DA SILVA (FOTO)


17 - O cínico


O cínico parece já não ter mais para onde subir na vida. É dono de um patrimônio imenso, que vai de fazendas e mansões a helicópteros, e goza de uma renda mensal que inveja até deputados e senadores, mesmo depois do aumento de 60% em seus salários. Grande parte dessa riqueza ele conseguiu através do seu cinismo: uma falta de vergonha, uma desfaçatez, uma impudência cevadas desde o berço, onde, bem pequeno, ele já sabia fingir o choro para conseguir o colo da mãe, esconder o pirulito embaixo do colchão para ganhar outro melhor, acusar o amiguinho de uma travessura que ele próprio cometera – coisas de criança, talvez; mas no cínico elas foram se multiplicando e tomando conta do seu espírito de tal forma que, na juventude, aliadas a uma ambição desmedida e a uma necessidade imensa de se destacar, deram origem a uma verdadeira máquina de vitórias – um estrategista de peito erguido, com um único propósito na vida: vencer: o que, para ele, significava ter muito dinheiro, um casamento de acordo com os padrões exigidos pela sociedade conservadora [de preferência financeiramente compensador],um cargo que lhe permitisse exercer poder sobre os outros, filhos brilhantes [os melhores naquilo que fizessem]... Mas para ele não importa se os meninos são apenas razoavelmente bem sucedidos em suas profissões. Ao falar deles, o cínico pinta um quadro fantasioso sobre seus dotes e vitórias, baseado apenas em alguns fragmentos de suas vidas que interessam a ele, cínico, transformando-os em verdadeiros super-heróis. Quem sofre mesmo são as pessoas obrigadas a ouvi-lo falar dos garotos: os relatos duram horas, são cheios de detalhes sobre as façanhas profissionais [e até mesmo sexuais] dos rebentos, muitas vezes comparando-os com outras pessoas, de forma a diminuí-las, ou citando garotas que lhes permitiram provar sua masculinidade viril, colocando-as, também [é claro] em uma posição de inferioridade. E com que facilidade o cínico te critica pelas costas e, logo em seguida, diz exatamente o contrário na sua frente, te olhando nos olhos, com entonação enfática, como se aquilo realmente é o que ele pensa de você... É o jogo do cínico. Ele é um bom estrategista, sabe transformar as pessoas em joguetes, colocar umas contra as outras, envenenar relações, tudo para se manter no poder, para atrair olhares de inveja e admiração. E como poucos no universo da degenerescência moral, ele sabe se cercar de bons bajuladores, a maioria tão cínica quanto ele, pois nas suas costas, muitos desses baba-sacos criticam-no, ironizam-no, riem dos seus defeitos, do seu orgulho desmedido, da sua conversa enfadonha, cansativa; mas, na sua frente, tratam-no com respeito, concordando com suas opiniões e participando das suas intrigas...
Para o cínico, muitas vezes, os fins justificam os meios. Quase sempre ele lança mão de suas relações pessoais com gente importante [construídas também na base do cinismo e do fingimento] para conquistar ainda mais prestígio e poder, ou abrir caminho para os filhos e amigos em meio à multidão dos comuns até degraus mais altos da escala social [o que, sozinhos, eles não conseguiriam, por incompetência].
Normalmente, o cinismo vem acompanhado de maldade. No cínico, qualquer desavença pessoal aciona seu desejo de vingança implacável, e ele não sossega a alma atormentada pelo ódio enquanto não prejudicar seu desafeto. Se não for bem sucedido, para aplacar sua ira, ele investiga a vida da pessoa, só para se certificar de que a situação financeira ou patrimonial dela é inferior à sua ou à de seus filhos, já que, para ele, o que determina o valor de um homem são os bens materiais que ele possui. Saber que o outro tem um salário inferior ou um patrimônio bem menor que o seu alivia a sua alma vil.
E ele geralmente vence... para os outros, para si, para a família. Ele é muito competente, perspicaz, inteligente, suas jogadas são rápidas, bem pensadas, e ele é bem recompensado por isso.
Mas como afirmou certa vez o grande escritor Oscar Wilde: o cínico pode conhecer muito bem o preço de todas as coisas...
...mas ele não conhece o seu valor.
Essa é a diferença.
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