quarta-feira, 30 de novembro de 2011

TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI
TEXTO DO PROF. JOSÉ R.B. FREIRE


Eis um artigo sobre a divisão do Estado do Pará, com uma análise feita pelo professor José R.B. Freire é uma obra-prima jornalística, que nos remete aos tempos de Padre Antônio Vieira e seus famosos sermões. Vale a pena ler todo o artigo com atenção. Excelente!

PBn P.S. - O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social (UNI RIO).
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TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI



TAPAJÓS E CARAJÁS:FURTO, FURTEI, FURTAREI
TEXTO DO PROF. JOSÉ R.B. FREIRE
Eis um artigo sobre a divisão do Estado do Pará, com uma análise feita pelo professor José R.B. Freire é uma obra-prima jornalística, que nos remete aos tempos de Padre Antônio Vieira e seus famosos sermões. Vale a pena ler todo o artigo com atenção. Excelente!

PBn P.S. - O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ), pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Memória Social (UNI RIO).
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TAPAJÓS E CARAJÁS: FURTO, FURTEI, FURTAREI

José Ribamar Bessa Freire
09/10/2011 - Diário do Amazonas

Essa foi a vaia mais estrondosa e demorada de toda a história da
Amazônia.
Começou no dia 4 de abril de 1654, em São Luís do Maranhão, com a
conjugação do verbo furtar, e continuou ressoando em Belém, num
auditório da Universidade Federal do Pará, na última quinta-feira, 6 de
outubro, quando estudantes hostilizaram dois deputados federais que
defendiam a criação dos Estados de Tapajós e Carajás.


A vaia, que atravessou os séculos, só será interrompida no dia 11 de
dezembro próximo, quando quase 5 milhões de eleitores paraenses irão às
urnas para votar, num plebiscito, se querem ou não a criação dos dois
Estados desmembrados do Pará, que ficará reduzido a apenas 17% de seu
atual território caso a resposta dos eleitores seja afirmativa.


A proposta de divisão territorial não é nova. Embora o fato não seja
ensinado nas escolas, o certo é que Portugal manteve dois estados na
América: o Estado do Brasil e o Estado do Maranhão e Grão-Pará, cada um
com governador próprio, leis próprias e seu corpo de funcionários.
Somente um ano depois da Independência do Brasil, em agosto de 1823, é
que o Grão-Pará aderiu ao estado independente, com ele se unificando.


Pois bem, no século XVII, a proposta era criar mais estados. Os colonos
começaram a pressionar o rei de Portugal, D. João IV, para que as
capitanias da região norte fossem transformadas em entidades autônomas. O padre Antônio Vieira, conselheiro do rei de Portugal, D. João IV,
convenceu o monarca a fazer exatamente o contrário, criando um governo
único do Estado do Maranhão e Grão-Pará sediado inicialmente em São
Luís e depois em Belém.


Para isso, o missionário jesuíta usou um argumento singular. Ele alegava
que se o rei criasse outros estados na Amazônia, teria que nomear mais
governadores, o que dificultaria o controle sobre eles. "É mais fácil
vigiar um ladrão do que dois", escreveu Vieira em carta ao rei, de 4 de
abril de 1654: “Digo, Senhor, que menos mal será um ladrão que dois, e
que mais dificultoso será de achar dois homens de bem que um só”.


Num sermão que pregou na sexta-feira santa, já em Lisboa, perante um
auditório onde estavam membros da corte, juízes, ministros e conselheiros
da Coroa, o padre Vieira, recém-chegado do Maranhão, acusou os
governadores, nomeados por três anos, de enriquecerem durante o triênio,
juntamente com seus amigos e apaniguados, dizendo que eles conjugavam o verbo furtar em todos os tempos, modos e pessoas. Vale a pena transcrever um trecho do seu sermão:


- “Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem fim o furtar com o fim do
governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os furtos.
Esses mesmos modos conjugam po r todas as pessoas: porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantos para isso têm indústria e consciência”.


Segundo Vieira, "os governadores furtam juntamente por todos os tempos". Roubam no tempo presente , "que é o seu tempo" durante o triênio em que governam, e roubam ainda "no pretérito e no futuro". Roubam no passado perdoando dívidas antigas com o Estado em troca de propinas, "vendendo perdões" e roubam no futuro quando "empenham as rendas e antecipam os contrato, com que tudo, o caído e não caído, lhe vem a cair nas mãos".


O missionário jesuíta, conselheiro e confessor do rei, prosseguiu:
"Finalmente, nos mesmos tempos não lhe escapam os imperfeitos, perfeitos, mais-que-perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais se mais houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar. E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles como se tiveram feito grandes serviços tornam carregados de despojos e ricos; e elas ficam
roubadas e consumidas".


Numa atitude audaciosa, Padre Vieira chama o próprio rei às suas
responsabilidades, concluindo:
"Em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos
príncipes de Jerusalém: os teus príncipes são companheiros dos
ladrões. E por que? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam;
são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente, seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo".


Os dois novos Estados – Carajás e Tapajós – se criados, significam
mais governadores, mais deputados, mais juizes, mais tribunais de contas,
mais mordomias, mais assaltos aos cofres públicos.


Por isso, o Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns, sediado em
Santarém, representando 13 povos de 52 aldeias, se pronunciou criticamente
em relação à proposta. Em nota oficial, esclarece:


"Os indígenas, os quilombolas e os trabalhadores da região nunca
estiveram na frente do movimento pela criação do Estado do Tapajós,
porque essa não era sua reivindicação e também porque não eram
convidados. Esse movimento foi iniciado e liderado nos últimos anos por
políticos. E nós temos aprendido que o que é bom para essa gente
dificilmente é bom para nós.

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