quinta-feira, 5 de julho de 2012

MANOEL BATISTA ERA PORTUGUES TEXTO DE FLAVIO MARCUS DA SILVA(FOTO)

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Manoel Batista era português Na França, a Revolução de 1789 foi um golpe terrível para a herança cultural da Idade Média. Na sociedade francesa do século XVIII (herdeira da cultura medieval), a nobreza no poder valorizava o ócio e cultuava as aparências, amava a riqueza (mas não o trabalho) e colocava acima de tudo as relações pessoais, as amizades e o parentesco, numa confusão perdulária entre Público e Privado. O pensamento iluminista de meados do século XVIII e a Revolução Francesa introduziram radicalmente nesse mundo conceitos polêmicos como República, Direitos Humanos, Cidadania, Razão, etc., e certamente contribuíram para que o povo francês, de forma geral, nos séculos XIX e XX, passasse a atuar no espaço público(que era de todos) defendendo com paixão o Bem Comum. Em Portugal não houve nada que se comparasse à Revolução Francesa. Ao contrário do que ocorreu na França, a nobreza portuguesa nunca foi confrontada em seus valores e visões de mundo tradicionais (medievais) por outras ideias, valores e concepções. Na França, a burguesia e outros grupos progressistas bateram de frente com a nobreza, impondo ideias que valorizavam o espaço público e definiam a Cidadania enquanto prática política organizada, visando à defesa do que é público para o público. Em Portugal, essa burguesia não existiu. A nobreza tradicional, apegada àqueles valores tipicamente medievais – o culto às aparências, a valorização do ócio e das relações pessoais e de parentesco no seio do Estado, a confusão entre Público e Privado – não foi confrontada por nenhum outro grupo. Na verdade, a nobreza portuguesa se aburguesou por necessidade, mas agarrando-se firmemente aos valores antigos, que ela trouxe para o Brasil junto com a frota de Pedro Álvares Cabral em 1500. Enquanto isso, o Estado português se fechava ao Humanismo, ao Racionalismo e, mais tarde, ao Iluminismo francês, mantendo-se firme naqueles princípios tradicionais. Essa foi, portanto, a mentalidade que vigorou no Brasil durante todo o período colonial, tendo sido transferida quase naturalmente, como herança portuguesa, para o Brasil independente, após 1822, e também para a República, depois de 1889 (que de República, até hoje, infelizmente, tem muito pouco). Porém, o mais grave disso tudo, a meu ver, é a forte presença do elemento afetivo nas relações políticas brasileiras. Sérgio Buarque de Holanda, em seu livro Raízes do Brasil, de 1936, explica essa questão, referindo-se ao período colonial: “O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Quer dizer, exatamente o contrário do que parece convir a uma população em vias de organizar-se politicamente”. Nada vinha de Portugal que contestasse essa ordem natural das coisas, esse apego ao passado, à tradição medieval; e a cultura nobre portuguesa, livre de qualquer obstáculo, se enraizou no Brasil de tal forma, que até hoje ela conduz a nossa vida, sobretudo no espaço público. Pará de Minas nos oferece exemplos claros desse apego às tradições portuguesas: 1) Como em qualquer outra cidade brasileira, o culto às aparências é algo que chama a atenção em nossa cidade (a preocupação que as pessoas têm em se exibir para os outros, aparentando riqueza e poder, mesmo que a realidade seja bem diferente). 2) A forma como se faz política por aqui, apelando para os laços de amizade e parentesco, e tratando os eleitores, muitas vezes, como clientes particulares, num claro desprezo pela noção iluminista de Res Publica, ou Bem Comum. 3) Essa coisa que as pessoas têm de levar tudo para o lado pessoal (se um candidato é meu parente, por exemplo, eu tenho a obrigação de votar nele). 4) Essa mania que muita gente tem de querer levar vantagem em tudo, de passar os outros para trás, permitindo-nos uma comparação com o que Sérgio Buarque de Holanda afirma sobre os portugueses do período colonial: “O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho”. 5) A dificuldade que as pessoas têm de se organizar e cobrar das autoridades o bom governo da Coisa Pública – fruto da dificuldade crônica de se perceber o próprio Público (depreda-se com muita naturalidade o patrimônio público; joga-se lixo nas ruas e passeios públicos; leis públicas são desrespeitadas na maior cara de pau, etc.). 6) E o último exemplo, que me faz pensar em Portugal nos séculos XVI, XVII e XVIII: a desvalorização do professor e da Educação Pública em geral, dificultando a formação de cidadãos críticos, capazes de contestar essa herança cultural retrógrada. Por isso, nada mais lógico e natural do que o mito fundador de Pará de Minas estar ligado a Portugal e à sua cultura. Manoel Batista, o mercador português que aqui chegou, talvez ainda no período colonial (segundo o mito), estabelece um nexo perfeito entre o passado e o presente da nossa cidade. Ele faz a ponte entre o universo medieval português e o nosso cotidiano hoje, marcado (com maravilhosas exceções, é claro), pelo culto às aparências, pela confusão entre Público e Privado, pelo “jeitinho”, etc. Não quero, com isso, menosprezar a enorme contribuição cultural de negros e índios para a nossa formação, muito menos desprezar o que os portugueses nos legaram de bom; mas no espaço deste artigo (que já avançou muito), coube apenas o destaque àquilo que, para mim, marcou mais a nossa cultura local, assim como a maior parte das outras culturas locais por esse Brasil afora: o tradicionalismo português – personalista, pomposo, pobre e atrasado. Manoel Batista era português. Pelo menos para mim. Se ele não existiu ou se não era português, acredito que esse nome – Manoel Batista –, que é uma referência em Pará de Minas, já representa por si só o espírito português: as trevas lusitanas trazendo o atraso cultural e o conservadorismo pomposo para a sociedade patafufa do presente. E o que significa, nessa minha análise, o sete de setembro de 1822? Nada, a não ser o continuísmo, a perpetuação da tradição portuguesa no Brasil. Quem declarou o Brasil independente de Portugal? Espero que todos saibam. R: Foi o filho do próprio rei de Portugal, o príncipe D. Pedro, que representava todo o continuísmo português. Não houve ruptura com o passado, nenhuma revolução. A nossa primeira história oficial, por exemplo, foi escrita nos anos 1850, valorizando a colonização portuguesa! Diante disso, como contestar o nosso mito? Como podemos afirmar que Manoel Batista tinha sangue indígena, como alguns pesquisadores querem demonstrar? Para mim, não tem conversa: Manoel Batista era português. QUEM É FLAVIO MARCUS DA SILVA Nascido em Pará de Minas- MG em 1975. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997) e doutorado pela Universidade federal de Minas Gerais (2002) com estágio (Doutorado- sanduíche/CAPES) na Universidade de Lisboa- Portugal (2002). Atualmente é Vice- diretor da Faculdade de Pará de Minas- FAPAM-(MG) onde já exerceu os cargos de Coordenador do Curso de História, coordenador do NUPE- Núcleo de Pesquisa, e foi professor nos cursos de História e Administração. Atualmente leciona nos cursos de Direito e Pedagogia. É autor do livro SUBSISTENCIA E PODER: a política do abastecimento alimentar nas Minas Setecentistas (Editora UFMG -2008) e de artigos publicados em periódicos e livros de História. Um de seus trabalhos foi publicado no livro HISTÓRIA DE MINAS GERAIS- As Minas Setecentistas (Editora Autentica 2007) obra vencedora do PREMIO JABUTI 2008 na categoria Ciências Humanas. Atualmente exerce também a função de Pesquisador Institucional da Faculdade de Pará de Minas junto ao Ministério da Educação, sendo responsável pelo acompanhamento dos processos e renovação de reconhecimento dos cursos de graduação da IES. Em 2009 foi eleito para a Academia de Letras de Pará de Minas. www.nwm.com.br/fms

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