quinta-feira, 4 de agosto de 2011

O MISTÉRIO DA CAIXA PRETA FLAVIO MARCUS DA SILVA

                               
                                                  3 - O mistério da caixa-preta


Fui conduzido por um jovem militar fardado até uma sala onde duas cadeiras e uma mesa constituíam todo o mobiliário, e fui apresentado a um outro militar, mais velho, talvez com pouco mais de quarenta anos [embora seu olhar cansado e seus cabelos grisalhos lhe dessem um ar de sexagenário viúvo e deprimido].
Quando entrei na sala, o militar de meia idade se encontrava sentado numa das cadeiras, com as mãos em cima da mesa, folheando alguns papéis, e, ao me ver, fez um gesto quase imperceptível com a cabeça, indicando-me a outra cadeira.
O militar mais jovem fez uma continência e foi embora, fechando a porta atrás de si.
Senti que algo muito sério e misterioso pairava no ar, pois ao me sentar, o militar me fez ler e assinar um termo de sigilo e confidencialidade, deixando claro para mim que o vazamento de informações sobre aquele caso complicaria muito a minha vida. Não questionei nada, pois naquele momento a curiosidade já tomava conta do meu espírito, fustigando-o, empurrando-o na direção do medo, como sempre acontecia quando eu me encontrava prestes a aceitar uma nova missão. Sou conhecido no mundo inteiro por lidar com situações sobrenaturais, cientificamente inexplicáveis, que me levaram a escrever mais de vinte livros e centenas de artigos, nos quais eu relato e analiso casos de arrepiar os cabelos, ocorridos em quase todos os continentes. Porém, nos meus trinta anos de carreira, lidando com fenômenos paranormais de vários tipos, aquele foi o primeiro termo de sigilo que eu fui obrigado a assinar, o que me surpreendeu, apesar de toda a minha experiência no ramo, fazendo meu coração disparar de ansiedade.
O caso era completamente novo para mim:
Um avião bimotor com dez passageiros e três tripulantes a bordo perdeu contato com os controladores de vôo e desapareceu do radar às 23:53, no dia sete de junho. Até um minuto antes, o contato com a torre de controle era normal, sem nenhum sinal de alarme ou de tensão entre os pilotos; mas, de repente, tudo se apagou. Era uma noite escura, com céu nublado, mas sem risco de tempestade; nada indicava uma pane nos instrumentos, e o contato com outros aviões naquela região se mantinha normalmente, sem problemas.
Até aí tudo indicava um acidente de grandes proporções, com alguns detalhes misteriosos, mas que certamente seriam explicados quando a caixa-preta fosse encontrada em meio aos destroços.
Só que não havia destroços. O avião foi encontrado, mas intacto, como se tivesse realizado um pouso suave na pista de um aeroporto qualquer. Todos os equipamentos funcionavam perfeitamente, sem nenhum problema. O que, no entanto, deixou os militares perplexos foi o fato da aeronave ter sido encontrada no alto de uma montanha, em uma área de topografia acidentada, cercada por enormes rochas pontiagudas e árvores, não havendo a menor possibilidade de ter ocorrido ali um pouso normal de avião.
“Eu estava lá e vi tudo com meus próprios olhos”, disse o homem à minha frente, tentando disfarçar o espanto e o medo que penetravam as névoas de seu olhar frio e perturbador. [Ele fazia parte da equipe de busca que encontrou o avião, no dia seguinte ao desaparecimento].
“Eu estava lá, tirei fotos, mas até agora não consigo acreditar...”.
A curiosidade me sufocava; meu corpo todo tremia; mas ao mesmo tempo eu sentia pena daquele homem que me encarava, já desarmado, com as lágrimas brotando de seus olhos desprotegidos, incapazes de disfarçar a emoção que aquela narrativa lhe provocava.
“Veja as fotos”, disse ele, estendendo para mim uma pasta de cor parda, que ele tirou de uma pequena gaveta na mesa. [Talvez ele a mantivesse escondida para não aguçar ainda mais a minha curiosidade, caso ele decidisse não mostrá-la]. A primeira foto era do avião visto à distância, cercado de rochas e árvores, em meio às montanhas. As árvores ao seu redor [por todos os lados] estavam intactas, com seus galhos frondosos, cheios de folhas: só isso já provava a impossibilidade de um pouso naquela área.
Mas tudo, TUDO naquela foto gritava: IMPOSSÍVEL: as pedras, os morros... Nenhuma marca no chão, nenhum destroço; o trem de pouso baixado, limpo, impecável, como se tivesse sido acionado para uma aterrissagem normal.
Outras fotos mostravam detalhes do avião: nada, absolutamente NADA que indicasse um pouso forçado – na verdade, nada que indicasse um pouso. Como teria aquele avião chegado ali? Essa era a primeira pergunta sem resposta, o primeiro enigma daquele caso intrigante e assustador.
Mas o pior ainda estava por vir: o fato mais espantoso e inexplicável de todos, algo que eu nunca tinha visto em toda a minha vida: As fotos seguintes mostravam o interior do avião. Na primeira, em um plano afastado,
todos os passageiros apareciam sentados em suas poltronas, como se prosseguissem viagem. Mas um detalhe importante saltava aos olhos do observador atento: mesmo à distância, era possível perceber em seus rostos – em todos eles –, um sorriso enigmático.
“Estão todos mortos”, disse o militar, mergulhando o rosto na mesa, entre os braços cruzados, que tremiam a cada soluço. Consegui ouvi-lo dizer, balbuciante: “Os laudos das autópsias não revelam nada, absolutamente nada... Nenhuma causa...”.
Olhei as outras fotos: cada rosto individualmente, em close: cada sorriso, cada olhar...
Todos mortos? Não dava para acreditar... Mas, no entanto, era verdade. Dava para ver que os sorrisos e os olhares, que me pareciam ser de prazer, de encantamento, de entrega a um destino almejado por todos, desenhavam-se em corpos já sem vida, tomados por aquilo que a interrupção definitiva da existência terrena lhes imprime: rigidez, palidez... Mas os sorrisos eram vivos: eles transmitiam uma mensagem que, para mim, naquele momento de emoção intensa, ainda era confusa, misteriosa, mas que me levava a pensar em tudo, menos na morte. Nada ali transmitia medo, agonia, dor, aflição, sofrimento, mas justamente o contrário: naqueles sorrisos eu via alegria, esperança, satisfação, regozijo, prazer.
O que era aquilo, meu Deus?
O homem levantou o rosto, olhou para mim como se o mundo desabasse ao seu redor e isso lhe fosse indiferente, apontou para uma foto e disse: “Minha esposa”; e para uma outra, com os dedos trêmulos: “Meu filho...”.
Um silêncio profundo tomou conta da sala naquele momento. Nossos olhares se pregaram um no outro: o dele implorando uma explicação que o salvasse de si mesmo, resgatando-o do abismo da dor, do sofrimento; e o meu dizendo que sim, que eu faria tudo para solucionar aquele mistério, por sua família desaparecida, por ele, por mim...
Terminada essa troca significativa de silêncios, ele se levantou da cadeira e abriu a porta da sala, chamando uma mulher que se encontrava parada no corredor: “Major, por favor, traga a caixa-preta”.
A caixa-preta...
O que teria registrado a caixa-preta daquele vôo para a morte?
“Você se acha suficientemente espantado e perplexo?”, perguntou-me ele, enquanto se acomodava de novo na cadeira.
Não respondi.
A porta se abriu e uma pasta escura e volumosa foi posta sobre a mesa por uma militar de meia idade, séria e compenetrada.
“Obrigado”, disse o homem, enquanto a mulher se retirava, fechando a porta.
“Então...”, continuou ele. “Você se acha suficientemente surpreso e intrigado com o que eu lhe contei e mostrei até agora?”.
Eu não conseguia responder.
Ele sorriu, fechou os olhos e disse, sem disfarçar a dor que dilacerava seu peito: “Só que o mais espantoso e assustador vem agora... Está aqui...”.
E ele bateu a mão direita três vezes sobre a pasta:
“Na caixa-preta”.
Nossos olhares se cruzaram de novo e ele me perguntou
“Está preparado?”.
CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA...
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