quinta-feira, 13 de outubro de 2011

MENDIGOS DA ALMA - FLAVIO MARCUS DA SILVA(FOTO)







13 - Mendigos da alma


Ultimamente tenho refletido muito sobre Espiritualidade, essa dimensão da vida que nos liga ao transcendente, àquilo que está além da ordem material, levando-nos, muitas vezes, a questionar nossos próprios comportamentos e convicções. Minha reflexão, no entanto, encontra-se ainda em fase inicial, carecendo do auxílio de pessoas mais versadas do que eu nessa matéria e de novas leituras, o que, acredito, poderá amadurecer em mim essa vontade que eu sinto de buscar o que realmente importa na vida: o aperfeiçoamento espiritual através do amor, da caridade, da humildade, da generosidade e do trabalho honesto e solidário.
No mundo de hoje, somos constantemente bombardeados com imagens e propagandas que apelam para aquilo que há de mais egoísta em nós, sobretudo a necessidade de estarmos sempre em destaque, seja pelo dinheiro, pelo poder ou pelo sucesso profissional.
No entanto, em minhas leituras, tenho aprendido que, para Jesus Cristo, no Reino de Deus não existe espaço para o orgulho, para os que exaltam a si próprios; e que, segundo seus ensinamentos, devemos amar o próximo sem distinção de raça, credo, nacionalidade ou qualquer outra, pois todos somos irmãos e filhos do mesmo Pai.
É triste perceber o quão distantes estão esses ensinamentos da vida que levamos nos dias de hoje. Já me irritei várias vezes com pessoas que se julgam importantes demais e que ficam o tempo todo se vangloriando disto e daquilo, apontando os erros e defeitos dos outros, para diminuí-los, enquanto se colocam como donos da razão. Mas depois, ao refletir sobre mim mesmo, percebi que a irritação que eu sentia diante do egocentrismo alheio era uma reação do meu próprio ego, que queria que EU me destacasse e tivesse razão, não o outro.
Reconhecer isso, a meu ver, já foi um grande avanço, mas eu sentia que era preciso mais: era preciso superar de vez essas “paixões violentas por coisa nenhuma”, como dizia Fernando Pessoa.
Superar de vez essa vontade de me destacar e ter razão eu ainda não consegui, mas um avanço muito significativo a caminho dessa superação eu dei quando olhei nos olhos de uma pessoa [que se julgava muito importante] e vi neles o brilho opaco que um espírito ainda muito apegado a títulos, reconhecimento público e dinheiro deixa escapar.
Isso aconteceu quando me vi enredado numa trama tecida ardilosamente por essa pessoa, que queria, de todo jeito, colocar-se numa posição de superioridade incontestável frente aos outros. Ao cair na sua rede, percebi que argumentar não adiantaria nada. Lutar contra sua vasta experiência na arte da enganação seria uma batalha perdida: como se um único soldado [maltrapilho e desarmado] se lançasse contra o exército inimigo em campo aberto, vislumbrando a morte de frente, sem medo, mas consciente da derrota. No entanto, foi justamente a aceitação da minha derrota que me deu a vitória... Não sobre a pessoa em questão, que manteve a sua posição de superioridade, mas sobre mim mesmo. Ao olhar nos olhos daquele general vitorioso e perceber neles o prazer que aquele momento lhe proporcionava, senti, ao invés de medo ou nojo, uma sensação de paz espiritual muito grande [embora depois eu tivesse que desabafar em lágrimas os resíduos de indignação que me haviam restado daquele ridículo episódio]. Lembro-me que, espiritualmente, senti-me alçado a um patamar mais elevado que o do general, que, no entanto, para si próprio, estava muito acima de mim.
Hoje, depois de algumas leituras muito enriquecedoras, entendo que a minha sensação de elevação naquele momento pode ser facilmente explicada pelos sábios ensinamentos de Cristo [abraçados também pelo Espiritismo], que nos revelam o seguinte: o trabalho, a vitória e o sucesso no plano material e corpóreo não têm os mesmos significados no plano espiritual. Aquela paz que eu senti naquele momento talvez tenha sido o prenúncio do que em breve eu descobriria com as minhas leituras. Foi o início da minha vitória sobre a angústia da necessidade de aprovação e de reconhecimento por parte dos outros. Foi como se do meu inconsciente viesse a mensagem: “Não ligue para isso. Não é importante.
Trabalhe com amor. Faça o bem. Não se preocupe com o que as pessoas pensam ou falam de você. Não busque recompensas efêmeras nestes círculos de vibrações inferiores, onde, na maioria das vezes, os vícios da ambição e da dissimulação são exaltados em detrimento do que realmente tem valor para Deus, que te ama e estará sempre contigo”.
Senti como se aos poucos eu estivesse deixando para trás um outro eu. Vi-me mais ou menos na pele daquele personagem do livro “O emblema vermelho da coragem”, o soldado praça gritalhão. Ele costumava ser visto pelos colegas como “um meninote espalhafatoso, dono de uma audácia advinda da inexperiência, impulsivo, teimoso, ciumento e cheio de uma coragem de latão”. No entanto, seu comportamento mudou notavelmente após uma grande batalha, à qual sobreviveu: “Envolto numa perfeita segurança, demonstrava agora uma fé serena em seus propósitos e habilidades. Essa firmeza interior lhe permitia, naturalmente, ficar indiferente às pequenas alfinetadas que os outros lhe dirigiam”.
Como eu disse, a verdadeira vitória, a superação plena do orgulho, do egoísmo e do egotismo próprios dos círculos carnais, ainda está muito distante de mim; mas considero essa transformação que eu vivi [e continuo vivendo] um passo muito importante na minha trajetória terrena.
Hoje eu consigo perceber mais claramente que os valores da espiritualidade não são os mesmos que costumamos exaltar no mundo material. Perdemos muito tempo na crosta terrestre em vaidades inúteis, gastando preciosa energia na adoração ridícula de nós mesmos, de nossos filhos e amigos. O que importa, para o aperfeiçoamento espiritual, é a humildade, a caridade, o amor, a doação [sem receber nada em troca, nem favores, nem dinheiro], o trabalho honesto e justo...
Com outras palavras, André Luiz, no livro “Nosso Lar”, ensina-nos que as mercadorias propriamente terrenas não têm o mesmo valor nos planos do Espírito. Triste é perceber, no entanto, que milhares de homens e mulheres cegos de ambição e egoísmo desencarnam todos os dias sem compreender isso. “Foram negociantes imprevidentes”, conta-nos André Luiz: “Esqueceram de cambiar as posses materiais em créditos espirituais. Não aprenderam
as mais simples operações de câmbio no mundo. Quando iam a Londres, trocavam contos de réis por libras esterlinas; entretanto, nem com a certeza matemática da morte carnal se animaram a adquirir os valores da espiritualidade. Agora... que fazer? Temos os milionários das sensações físicas transformados em mendigos da alma”.
Mas não é fácil perceber essa verdade. Como generais em campos de batalha, encarcerados em suas opiniões próprias, os homens traçam estratégias de vitória, manipulam e humilham os outros, e chegam muitas vezes a afirmar: “Estou com a consciência tranquila”. Ora, mas o que é essa consciência senão um reflexo de sentimentos mundanos, na maioria das vezes muito mais sensíveis às vibrações inferiores do que às superiores?
No seu impressionante livro “O homem duplicado”, José Saramago elucida muito bem essa questão da consciência. Ali, numa passagem, o narrador explica que “uma mente dominada por sentimentos inferiores é capaz de obrigar a própria consciência a pactuar com eles, forçando-a, ardilosamente, a pôr as piores ações em harmonia com as melhores razões e a justificá-las umas pelas outras, numa espécie de jogo cruzado”.
A meu ver, é assim que nos transformamos em mendigos da alma nos planos do Espírito.
Bibliografia:
CRANE, Stephen. O emblema vermelho da coragem (1895). São Paulo: Penguin
Classics/Companhia das Letras, 2010.
SARAMAGO, José. O homem duplicado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
TOLSTOY, Leo. The Gospel in Brief. University of Nebraska Press, 1997.
XAVIER, Francisco Cândido (pelo Espírito André Luiz). Nosso Lar: a vida no Mundo
Espiritual. 61ª edição. Federação Espírita Brasileira, 2010.
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www.nwm.com.br/fms

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