segunda-feira, 24 de outubro de 2011

OS DOIS AMIGOS- FERNANDO MARTINS FERREIRA

OS DOIS AMIGOS


Chico Valente e João Carreiro eram amigos inseparáveis. Levavam a vida levando e trazendo gado de um lado a outro por esse mundão de meu Deus. A comitiva era grande e de muita responsabilidade.
Eles se faziam acompanhar sempre de seus ajudantes, co¬zinheiros e peões. Chegaram certa manhã às margens de um grande rio barrento e impetuoso, em cujo seio a morte esprei¬tava os mais afoitos e temerários.
Era preciso transpor a corrente ameaçadora. João carreiro atirou-se ao rio com o seu cavalo, mas esse falseando a pata atirou-o ao rio. Teria ali perecido, arrastado para o abismo se não fosse o Chico Valente. Este, sem um instante de hesitação, atirou-se à correnteza e, lutando furiosamente, conseguiu tra¬zer a salvo o companheiro de tantas jornadas. Todos ficaram felizes e impressionados com o destemor e audácia de Chico Valente.
João Carreiro, agradecido, chamou no mesmo instante o mais hábil peão da comitiva e ordenou-lhe que gravasse na face mais lisa de uma enorme pedra, que perto se erguia esta le¬genda: “Companheiro! Nesse lugar, durante uma jornada, Chico Valente salvou heroicamente seu amigo João Carreiro”.
Isso feito, prosseguiram viagem.
Alguns meses depois, de regresso, novamente se viram forçados a atravessar o mesmo rio, naquele mesmo lugar perigoso.
E, como se sentiram fadigados resolveram repousar algumas horas à sombra acolhedora de uma árvore.
Sentados, pois, na areia branca, puseram-se a conversar. Eis que por motivo fútil, surge de repente, grave desavença entre os dois companheiros.
Discutiram, discordaram.
Chico Valente, exaltado num ímpeto de raiva, esmurrou violentamente o amigo.
João Carreiro não revidou a ofensa. Ergueu-se e tomando tranquilamente um graveto, escreveu na areia branca: “Compa¬nheiro! Neste lugar, durante uma jornada Chico Valente, por motivo fútil, injuriou gravemente o seu amigo João Carreiro”.
Surpreendido com o estranho proceder de João Carreiro, um dos ajudantes, observou:
“Da primeira vez para exaltar a coragem de Chico Valente você mandou gravar para sempre na pedra o ato heróico e agora, que ele acaba de te ofender tão gravemente, você es¬creve na areia incerta, o ato de covardia! Não entendo”!
“A primeira legenda ficará para sempre, todos os que passarem por aqui terão notícia dela. Esta outra, porém, riscada na areia, antes do cair da tarde, terá desaparecido”.
É que o benefício que recebi de meu amigo permanecerá para sempre em meu coração, mas a injúria... Essa negra injúria... Escrevo-a na areia, com um voto para que, depressa, daqui se apague de minha lembrança! - respondeu João Carreiro.
Fica para nós a lição: Aprendamos a gravar na pedra os favores que recebemos os benefícios que nos fizeram as palavras de carinho, simpatia e estímulo que ouvimos.
Aprendamos, porém, a escrever na areia, as injúrias, as ingratidões, as perfídias e as ironias que nos ferirem pela estrada da vida.
Aprendamos a gravar assim na pedra; aprendamos assim a escrever na areia e seremos felizes.

(Adaptaçao livre do Conto mesmo nome-Livro: Seleções. De Malba Tahan)


Edição esgotada-

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