domingo, 9 de outubro de 2011

O CAMINHO DO BEZERRO- FERNANDO MARTINS FERREIRA

O CAMINHO DO BEZERRO


Um dia, através da floresta virgem, passou um bezerro desembestado e desgarrado da boiada. Fez uma picada sinuosa, corcoveada, a exemplo de todos os animais desembestados. Trezentos anos se passaram desde então.
Aquele bezerro deixou atrás de si um rastro.
Seu rastro foi seguido no dia seguinte por um vaqueiro que percorreu a mesma trilha. Depois por um carneiro-guia que após si, conduziu todo o rebanho, como fazem os bons guias.
E desde esse dia foi-se abrindo um caminho através daquela floresta.
Passaram por ali homens, que proferiram palavras de justa indignação por causa do sinuoso caminho...
Mas, ainda assim, continuavam passando por ali, repetindo a primeira passagem.
Mais tarde o caminho da floresta tornou-se um atalho conhecido.
O atalho transformou-se numa estradinha, onde muitos pobres cavalos, arqueados sob penosas cargas, suavam dois quilômetros para fazer um.
E assim, sem saber, todos seguiram as pegadas do bezerro.
Os anos passaram, e a estrada converteu-se numa viela de aldeia.
E sem que os homens percebessem, a viela metamorfoseou-se numa movimentada via pública da cidade.
E durante séculos, os seres humanos se submeteram às pegadas do bezerro. Dia a dia, milhares de pessoas passam por ele.
Só palmilham trilha já batida, seguem sempre um trajeto iniciado por outros. Fazem do caminho uma rota sagrada, pela qual se movimentam durante toda a vida.
E como deles riem os antigos deuses da floresta que testemunharam a primeira passagem feita pelo bezerro.
Esse conto adaptado de Sam Walter Fox nos mostra o que ocorre com a grande parte das pessoas que conhecemos que seguem o seu caminho sem pensar, sem questionar, discutir ou avaliar o que é bom e o que é ruim.
Recolhem-se ao silêncio como carneiros sem direito à esperança e futuro. Em nome da comodidade, abdicam-se de viver, levam uma vida medíocre, não tendo consciência de que as perdas, os fracassos não foram colocados em nosso caminho para nos fazer desistir e sim para continuarmos a luta de outra maneira. E assim vão levando a vida, amando pouco, viajando pouco, sem levantar a cabeça, sem ousadias.
Seguem a trilha deixada pelos outros e ficam aprisionados freqüentemente ao passado. Esquecem-se de que a vida é um eterno abrir e fechar de ciclos e se demoramos a fechar um que já se foi com certeza perderemos a alegria de viver. Encerrar ciclos é deixar no passado os momentos que se foram. O que passou não voltará. As coisas passam e o melhor que fazemos é deixar que elas se vão.
Ficar lembrando e lamentando determinadas perdas não nos abrirão novos ciclos.

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