quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A INDIGNAÇÃO DE DONA JACIARA- FLÁVIO MARCUS DA SILVA(FOTO)




26 - A indignação de Dona Jaciara


- No programa de hoje vamos conversar novamente com a líder do movimento “Somos chiques mesmo, e daí?”, D. Jaciara de Assunção Menezes Torres e Albuquerque.
Convidei-a para esta entrevista atendendo a um pedido do seu primo, o senador Aníbal Menezes Torres, que me ligou hoje pela manhã. A entrevistada desta noite seria D. Ana “do Zé Preto”, responsável pelo restaurante da criança do Bairro da Consolação, mas diante do pedido do nosso querido senador, eu tive que cancelar.
[Bruno sorri para a sua convidada]: - Boa noite, D. Jaciara. É uma honra tê-la novamente conosco para mais um bate-papo.
- Boa noite, Bruno. Eu sabia que você não ia negar um pedido do seu padrinho, que sempre te acolheu muito bem em Brasília, não é mesmo? [risos]. Mas antes de tratar do assunto que me trouxe aqui hoje, eu gostaria de agradecer publicamente ao meu grande amigo, Dr. Américo Torres [que é também meu primo em segundo grau e membro do movimento “Somos chiques...”], pelo atendimento dado a mamãe no hospital ontem à noite.
Normalmente, quando o problema parece grave, utilizamos um dos helicópteros da família e levamos mamãe até a capital. Mas ontem, como tudo indicava se tratar apenas de uma simples micose na virilha, eu liguei imediatamente para o Américo, que estava em seu horário de plantão no SUS. Na mesma hora ele se levantou da mesa [onde jogava baralho com outros médicos, na fazenda do seu irmão] e veio correndo para o hospital.
E me permita um desabafo, meu caro Bruno: quando chegou lá, o Dr. Américo tornou-se vítima de dez pacientes pobres, que aguardavam na fila do SUS, e que o acusaram de um monte de coisas absurdas, só porque ele não estava no hospital para atendê-los quando eles queriam e porque atendeu a mamãe primeiro. Veja bem: o SUS paga uma miséria para os médicos, que são obrigados a atender a qualquer um que chegar [um absurdo]. Mamãe, riquíssima, membro do movimento “Somos chiques...” e de clubes de altíssimo nível na cidade, irmã de deputados e senadores, não vai ser atendida primeiro?
Foi um horror! Queriam matar o coitado do Américo: as crianças pobres começaram a chorar e a gritar, as mães arrancaram seus chinelos e tamancos sujos de terra vermelha, enquanto os homens tiveram que ser contidos pelos enfermeiros para não cometerem uma loucura. A sorte foi que eu consegui falar com o capitão Nascimento [irmão da esposa de um sobrinho de papai], que interrompeu uma partida de truco com traficantes na periferia só para colocar fim ao motim do hospital. Tudo acabou bem: os amotinados foram recolhidos ao camburão e levados à delegacia. Que noite!
- Impressionante! Que absurdo... Mas, D. Jaciara, qual é o assunto que a senhora gostaria de discutir conosco esta noite?
- Pois bem. Estou aqui com uma crônica intitulada “Coluna Social Suburbana”, de autoria de um rapaz chamado Paulo Giardullo, que teve a OU-SA-DIA de sugerir, numa narrativa grotesca, a possibilidade de se publicar, em jornais, colunas sociais de pobres.
O exemplo que ele usa para ilustrar a sua coluna fictícia é de arrepiar os cabelos: uma festa na casa do “Seu João do Forno”, para comemorar a sua aposentadoria, depois de décadas trabalhando em uma siderúrgica.
Vou comentar algumas passagens do texto. Ouçam isto: “Os Pratos: foi servida uma deliciosa feijoada, com miúdos de porco e feijão preto legítimo, sendo contratada, com exclusividade, a Dona Janaíra, cozinheira do famoso ‘Bar do Sô Quim’ e sua equipe”.
Ora, desde quando uma feijoada de pobre possui a sofisticação e o requinte necessários para ser servida como prato em uma festa digna de coluna social? Só para citar alguns exemplos do que significa requinte e sofisticação, meus caros ouvintes, apresento-lhes algumas iguarias servidas durante uma festa que eu dei semana passada, no meu palacete, em comemoração à medalha “Abolição da República”, recebida das mãos do próprio presidente pelo meu irmão, Otávio, que é Promotor de Justiça aqui na cidade. Ouçam com atenção: Plateau de fruits de mer [para quem não sabe francês, eu traduzo: peixes,crustáceos e frutos do mar, de frescor absoluto, servidos em uma tábua de madeira nobre dourada com fios de ouro comestíveis], pizza contendo no recheio quatro tipos de caviar e lagosta, frozen yogurt de melão, chocolate feito com leite de camelo de Dubai, sorvete de caviar e de fígado de ganso, vodca polonesa envelhecida 25 anos... [Só para vocês terem uma ideia, as bebidas chegaram em carro-forte blindado].
Agora ouçam mais este trecho da crônica do tal Giardullo: [Quando eu li esta passagem na reunião de sábado do “Somos chiques mesmo, e daí?”, minha amiga Lúcia passou mal e teve que ser conduzida de helicóptero à capital]: “A Decoração e o Figurino: A casa foi lindamente decorada pelo cabeleireiro do bairro, o Jesuíno, com motivos lembrando o aço e no centro da sala, uma maquete da Siderúrgica onde Seu João trabalhou, feita pelo neto dele, o Zezinho, o qual foi o tempo todo acompanhado pela sua Baby Sister, na verdade sua priminha, a Aninha, que ganha alguns trocados para tomar conta dele, enquanto a sua mãe trabalha de doméstica”.
Tem cabimento uma coisa dessas? Dá para acreditar nisso? Uma mulher do meu nível, que tem na sua suíte uma banheira esculpida numa peça maciça de quartzo amazônico, avaliada em 2 milhões de reais; na sala de estar um piano-bar com paredes revestidas em couro de iguana de Galápagos [não preciso nem dizer como é que eu obtive a autorização para isso, não é mesmo?]; e nas unhas um esmalte feito de lascas de ouro, mantido em um recipiente de cristal com tampa cravejada de brilhantes, não pode se calar diante de uma sucessão de absurdos como essa!
E tem mais! Ouçam isto: “A filha mais nova do Seu João, a Adelaide, estava simplesmente magnífica em um modelito saia e blusa jeans, adquirido na Boutique da Silvinha, que fica ali na esquina. A mulher dele, Dona Efigênia, apareceu subitamente no Salão, digo, quintal, com um vestido legítimo do ateliê da Dona Tereza, a ‘Te Costureira’. Era um ‘tomara-quecaia’lilás, com babados dourados, realmente um luxo!” [D. Jaciara se abana com seu leque japonês]: - Estou simplesmente HOR-RO-RI-SA-DA com isso! E gostaria de deixar registrada aqui, meu caro Bruno e queridos ouvintes, a minha INDIGNAÇÃO diante da ousadia desse Paulo Giardullo, que não tem a mínima noção do que é ser chique neste nosso país.
Pará de Minas, 27 de novembro de 2010
P. S.: Com exceção do meu amigo Paulo Giardullo, todos os outros personagens desta crônica não existem.
São frutos apenas da minha imaginação.
Texto citado: GIARDULLO, Paulo. Coluna Social Suburbana. Pará de Minas: Jornal Diário, 23 de outubro
de 2002.


QUEM É MARCUS FLÁVIO DA SILVA



Nascido em Pará de Minas- MG em 1975. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997) e doutorado pela Universidade federal de Minas Gerais (2002) com estágio (Doutorado- sanduíche/CAPES) na Universidade de Lisboa- Portugal (2002). Atualmente é Vice- diretor da Faculdade de Pará de Minas- FAPAM-(MG) onde já exerceu os cargos de Coordenador do Curso de História, coordenador do NUPE- Núcleo de Pesquisa, e foi professor nos cursos de História e Administração. Atualmente leciona nos cursos de Direito e Pedagogia. É autor do livro SUBSISTENCIA E PODER: a política do abastecimento alimentar nas Minas Setecentistas (Editora UFMG -2008) e de artigos publicados em periódicos e livros de História. Um de seus trabalhos foi publicado no livro HISTÓRIA DE MINAS GERAIS- As Minas Setecentistas (Editora Autentica 2007) obra vencedora do PREMIO JABUTI
2008 na categoria Ciências Humanas. Atualmente exerce também a função de Pesquisador Institucional da Faculdade de Pará de Minas junto ao Ministério da Educação, sendo responsável pelo acompanhamento dos processos e renovação de reconhecimento dos cursos de graduação da IES. Em 2009 foi eleito para a Academia de Letras de Pará de Minas.
www.nwm.com.br/fms

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