quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O CONSTRUTOR DE PONTES- FERNANDO MARTINS FERREIRA

O CONSTRUTOR DE PONTES


Contou-me certa vez, o Vicente, um velho amigo da família, morador do Distrito de Torneiros, que por aqueles lados, na década de 40, viveram dois irmãos, que além do parentesco, eram grandes amigos. Cresceram e trabalharam sempre juntos, e quando foram se casar (com duas irmãs) dividiram a fazenda paterna em duas e cada um tocou o seu negócio. As fazendas eram divididas por um riacho que não os impedia de se encontrar todo o final de tarde, ou até mesmo durante o dia, pois estavam sempre auxiliando um ao outro nas tarefas diárias. Tornaram-se compadres duas vezes, pois um batizou o filho do outro.
Júlio e José (me permitam omitir os sobrenomes) eram mesmo inseparáveis. Mas eis, que os cães de José, na calada da noite, invadiram a propriedade de Júlio e mataram dois bezerros.
O que antes teria sido resolvido de maneira pacífica tomou enormes proporções.
Agrediram-se verbalmente e ficaram sem se falar para desgosto das famílias.
Às vésperas de uma viagem ao sul de Minas, para adquirir algumas novilhas, Júlio recebeu a visita de um homem alto, fala mansa, sorriso franco e de olhar límpido e penetrante.
Diz-se tratar de um carpinteiro e que andava em busca de trabalho.
Júlio agradeceu e ia dispensá-lo, quando num arroubo de raiva disse:
- “Tenho um serviço para você. Está vendo aquela casa do outro lado do riacho? É do meu irmão. Não quero nem, ao menos ver aquela casa! Ele é meu desafeto. No depósito tenho muita madeira. Faça uma cerca alta, pois quando voltar de viagem não quero ver nada do outro lado”.
Dito isso, na manhã bem cedo, Júlio partiu em busca das novilhas de boa cria. Após uma semana retornou à fazenda e qual não foi a sua surpresa. Ao invés de cerca, o carpinteiro maluco havia construído uma linda ponte ligando as duas propriedades.
Júlio exasperado correu para a ponte e foi pedir satisfação ao carpinteiro. Teria que derrubar aquela monstruosidade.
Enquanto corria para a ponte, viu do outro lado o irmão José, correndo de braços abertos, bradando:
- “Me desculpe irmão”! Chorava copiosamente.
Os dois se abraçaram no meio da ponte e refizeram a amizade. Júlio emocionado procurou o carpinteiro para pagar o trabalho executado e ofereceu-lhe que ficasse na fazenda. Teria outros trabalhos para ele. Porém o carpinteiro agradeceu e disse-lhe:
- “Não posso ficar, meu caro. Tenho ainda muitas pontes a construir” e nunca mais foi visto na região.
Antigamente subsistir bastava. Um pouco depois o homem além da subsistência passou também a aspirar a algum conforto e ao bem querer e afeto dos que lhe eram caros. Além naturalmente da preocupação com a sobrevivência própria e da família.
Hoje a vida virou um jogo desorganizado em que a busca desesperada transformou a todos em rivais e potenciais inimigos. Os valores cultivados por nossa civilização ocidental geraram uma sociedade altamente competitiva na qual o objetivo maior passou a ser a necessidade de ser melhor que o outro, de mostrar que se chegou lá aonde a maioria não chegou e nem chegará, no topo da pirâmide. Com isso vivemos angustiados com a necessidade doentia de mostrar aos outros que somos “bons” que vencemos na vida.
Vivemos às vezes em função do conceito e da opinião dos outros e não para nós mesmos. Na verdade todos nós corremos em busca da gloria ou poder, o modelo do sonho pode variar, mas a essência de todos os sonhos é a grandeza e o destaque em relação a media das pessoas.
Com isso nos esquecemos de construir pontes.
Esquecemos-nos também que o verdadeiro êxito não é realizar um grande empreendimento nem acumular riquezas.
Ser bem sucedido é viver plenamente de modo a ser senhor de si próprio. A base do verdadeiro êxito está na formação do caráter.



Livro editado em 2009-(esgotado)

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